AFINAL, QUAL É A DA INVEJA?

por:
Ricardo Schwalfemberg

20 de Dezembro de 2020

Dicas e Decisões

Tenho certeza de que muita gente pensa diferente de mim, mas sou um apaixonado pela Língua Portuguesa. Eu sei, às vezes a gente se sente um pouco isolado nessa América Latina, onde o Espanhol é soberano, ou no mundo, onde o Inglês – e ultimamente o mandarim – dominam, mas nosso idioma é riquíssimo. Comparado ao Inglês, onde triste e azul compartilham do mesmo verbete, a diversidade de palavras é fenomenal. E é por isso que, às vezes, me incomoda o uso de alguns adjetivos com mais de um sentido. 

Desde que saí da casa dos meus pais, mais de 40 anos atrás, virava e mexia um evento se repetia. Me lembro da primeira vez, quando comprei minha primeira TV de tela grande. Era uma Sony de 32”, de tubo, que pesava “apenas” uns 60Kg, e ocupava quase metade da sala. Três semanas depois, meu pai comprou uma igualzinha. No ano seguinte, trocamos o sofá da sala, por um novo em couro, feito sob medida, em uma loja na Av. Tiradentes, que nem existe mais. Dois meses depois, um conjunto da mesma loja, apenas um pouquinho mais claro, apareceu na sala de estar dos meus pais. Ao sairmos da casa deles, em uma visita, minha mulher comentou: “Seu pai tem inveja de você. Ele não pode ver você fazendo alguma coisa, vai lá e faz igual.”

Será que a palavra inveja caberia em um caso assim? Na minha concepção, o sentimento de inveja é essencialmente corrosivo. O invejoso torce para que você fracasse, para que ele se sobressaia. Ele não suporta ver o sucesso alheio, pois isso o diminui. Estou convicto sobre uma coisa: meus pais sempre torceram muito pelo meu sucesso. Sempre vibraram com cada conquista minha. Então, o que explica definir essa atitude como inveja?

Acho que pode existir a inveja bem-intencionada. Se o sucesso de alguém do seu convívio te motiva a se esforçar mais, para obter o mesmo resultado, podemos dizer que se trata de uma inveja construtiva. Se esse sentimento te impulsiona a correr um pouquinho mais, a remar mais forte, ele é positivo. Se você correu ou remou mais para se dar mais, ok. Se fez isso para ter mais que o outro, nem tanto. Se o sucesso alheio te incomoda, isso é inveja destrutiva. Se te motiva a ir além, e testar os seus limites, essa inveja é um excelente combustível.

Talvez fosse preciso encontrar outro verbete para esse sentimento. Admiração, talvez? Hum... não sei se tem o mesmo efeito. Mas não sei se existe uma inveja positiva e outra negativa. Dizem que o que diferencia o remédio do veneno é a dose, certo? Então, que tal dizer que doses moderadas de inveja são terapêuticas, mas quando se perde o controle se tornam tóxicas. Todo atleta iniciante se espelha no campeão, se quiser se tornar um também. E se o vencedor for um modelo a ser seguido, o sucesso chegará para o discípulo também. Perder o controle pode me levar à trapaça, a tudo o que possa impedir os outros de serem melhores do que eu. Aí, pronto, a inveja saiu do controle.

Acredito que assim, posso conviver melhor com as nuances da nossa Língua. Vamos colocar a palavra inveja na mesma categoria da ambição. Bem direcionada, nos leva cada vez mais longe. Descontrolada, nos leva a lugares sombrios. Então, não tenha vergonha de sentir a quela pontinha de inveja do carro novo do seu vizinho, e lute para ter o seu também. Mas se o carro dele começar a te incomodar, a ponto de torcer por um defeitinho, ou uma batida, está na hora de um exame de consciência, ou de se confessar após a missa. A dose passou do ponto, e o remédio virou veneno para sua alma.

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