Tem horas, na minha profissão de Planejador Financeiro Pessoal, que gostaria que o que aparece nos filmes de ficção científica fosse verdade. Já faz quase quatro anos. No dia 21 de outubro de 2015, seria a data em que os heróis de “De Volta Para o Futuro” chegariam ao “futuro” deles, com carros voadores, pizzas desidratadas, skates flutuantes e roupas que se secam sozinhas. Não deu! Mas o que me deixa cheio de inveja são os de “Jornada nas Estrelas” (Star Trek), em que o Capitão Kirk chega a qualquer planeta da galáxia, e encontra habitantes que falam a mesma língua que ele. Isso acontece porque, no futuro “deles”, existe um aparelho chamado tradutor universal, implantado em seu ouvido esquerdo, que converte qualquer idioma, por mais estranho e desconhecido que possa ser, em um inglês perfeito, sem sotaque nenhum. Meu Deus! Como isso seria útil na hora de entender o economês. Quem já tentou ler e entender uma lâmina de fundo de investimento? Ou o relatório de um gestor explicando o desempenho de sua carteira? Com certeza, não foram escritos em português.
Veja algumas “pérolas” pinçadas de lâminas e relatórios, teoricamente destinados a quem não é economista, e vamos tentar “traduzir” para o português:
"Adotamos um posicionamento conservador em relação à curva de juros. O juro de longo prazo já abriu muito, e acreditamos que não deve abrir mais."
Taxa de juros tem curva? Ela abre e fecha? Como assim?
Vamos ver se consigo sair dessa saia justa. A taxa Selic, taxa básica da economia, será meu ponto de partida. Embora ela seja expressa em termos anuais (6,50% ao ano), remunera transações de curtíssimo prazo, muitas vezes, de um único dia. A taxa de operações de dois, três anos ou mais tende a ser maior para remunerar o risco elevado de uma operação de longo prazo. Hoje, 11/06, é possível comprar uma LTN (Tesouro Prefixado) com vencimento em 01/01/2022 a % ao ano; a mesma LTN com vencimento em 01/01/2021 pagava taxa de 6,71% ao ano; e o mesmo papel, mas com vencimento em 01/01/2025, juros de 7,71% ao ano. Lembre-se de que a taxa Selic nessa mesma data era de 6,50% ao ano. Se colocarmos as taxas e os respectivos vencimentos em um gráfico, teremos uma curva estável na primeira parte, e ascendente na segunda. Curva porque a taxa não permanece estável ao longo do tempo. Ascendente porque a taxa aumenta à medida que o prazo também aumenta, para remunerar adequadamente o risco do investidor que se amplia, e estável quando permanece nos mesmos patamares ao logo de um período. Fazendo uma conta simples é possível verificar que o prêmio --diferença entre a taxa dos títulos e a taxa Selic-- da LTN mais curta é de apenas 0,21 pontos percentuais. A LTN mais longa paga prêmio de 1,21 pontos percentuais. Se o gestor avalia que a curva "abriu" muito, ou seja, o prêmio dos títulos longos está acima da expectativa de mercado, talvez seja a hora de assumir posições de taxa prefixada com a expectativa de que haverá queda nos juros. Se, por outro lado, o gestor avaliar que a curva pode aumentar ainda mais, ele provavelmente assumirá posições de taxa pós-fixada que ganham em cenário de elevação dos juros.
Agora veja essa aqui: "Boa parte da carteira de renda variável deve ficar em posições long and short neutras." Aqui, com certeza não está em Português. Long and Short? Vamos lá! Você já deve ter ouvido que quando o preço está baixo é hora de comprar e quando o preço está alto, hora de vender. A pressão de compra e de venda acaba colocando o preço da mercadoria no seu ponto de equilíbrio, o valor considerado justo. O preço que estava baixo aumenta, gerando lucro para o comprador que adquiriu barato e poderá vender mais caro. O preço que estava alto tende a cair e, dessa vez, quem lucra é o vendedor, que poderá recomprar a mercadoria por um preço menor. Essa é a estratégia que ganha a sofisticada expressão "long short" no mundo dos investimentos. Consiste em comprar (long) um ativo barato e vender (short) um ativo caro. Se a expectativa do gestor estiver correta, a carteira tem potencial de lucrar tanto na alta do preço do ativo que foi comprado, quanto na queda do preço do ativo que foi vendido. A estratégia "neutra" ocorre quando a carteira possui a mesma quantidade de posições compradas (long) e vendidas (short). E não pense que se trata de lucro fácil, garantido. Fácil falar, difícil de executar. Se a expectativa do gestor não se confirmar, pode ocorrer perda em dobro, na posição comprada porque o preço caiu em vez de subir e na posição vendida porque o preço subiu ainda mais. O investidor precisa de tempo, fôlego, caixa e estômago forte para atravessar um período de cenário contrário ao esperado. Muita volatilidade (flutuação de preços) no meio do caminho pode acontecer.
Essa aqui é mais longa: "Trabalhamos para obter geração de alfa buscando múltiplas fontes de valor, tais como: ganhos de capital com gestão ativa, escolha de indexador, exploração de oportunidades de arbitragem das falhas de informação de mercado. Adotamos a recomendação overweight' em relação aos títulos indexados à inflação". Caramba! Quantos conceitos em uma só frase. Vamos um de cada vez:
Geração de alfa. Seriam ondas alfa? Aquelas que nosso cérebro emite quando estamos sonhando?
Para valorizar seu desempenho e demonstrar o valor agregado por sua competência, os gestores costumam dizer que estão "gerando alfa". A letra grega indica uma rentabilidade superior ao parâmetro de mercado, com a mesma quantidade de risco.
Para exemplificar uma situação de "alfa", suponha que o desempenho de uma carteira foi de 6% em um período em que o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) subiu 4%.
Se o risco das duas carteiras for equivalente, o gestor entregou alfa de dois pontos percentuais. Em outras palavras, 4% da valorização foi proporcionada pelo mercado e 2% dela foi adicionada pela escolha seletiva e competente do gestor.
O que é gestão ativa? Ela procura pela gestão passiva, para fazer um casal? Todos os fundos de investimento distribuídos no mercado têm um objetivo de investimento (aonde querem chegar) e uma política de investimento (como o gestor pretende chegar lá). Alguns fundos têm um objetivo claramente definido, o de acompanhar a variação de determinado indicador de mercado. Os fundos de renda fixa DI, por exemplo, devem necessariamente acompanhar a flutuação da taxa de juros de mercado. Os fundos cambiais devem entregar ao cotista um desempenho equivalente à variação cambial da moeda estrangeira. A carteira de um fundo de ações índice deve ser uma cópia da carteira teórica desse índice. Todos os fundos citados são exemplos de gestão passiva, na qual o gestor se limita a montar uma carteira com a maior aderência possível ao índice de referência ("benchmark"), sendo impedido de executar outra estratégia que julgue mais adequada no momento.
Os fundos de gestão ativa são menos previsíveis, mais arriscados, já que não pretendem meramente acompanhar um indicador financeiro. Eles têm o desafio de superar esse parâmetro e, para isso, assumem mais risco, de acordo com as expectativas do gestor em relação aos diversos mercados, em busca de melhor retorno. Sempre obedecendo ao mandato outorgado pelo investidor, definido em seu regulamento.
Overweight? Meus investimentos estão obesos? Preciso usar dinheiro dietético?
Suponha que a política de investimento de um fundo de gestão ativa limite em 10% do patrimônio a exposição em índices de inflação. Com base em boa expectativa de retorno, o gestor recomenda uma posição acima do limite estabelecido, ou seja, ficar "overweight" em inflação. Essa linguagem também é muito utilizada em investimentos no mercado de ações. Suponha um fundo de ações que busca acompanhar determinado índice de mercado cuja carteira teórica detém 5% em papéis do setor de energia. Se o gestor compra 7% da carteira em ações de empresas desse setor, a carteira está "overweight" em energia.
Arbitragem? Chamo o Arnaldo? Ou o Galvão?
Em um mercado eficiente, o preço de uma mercadoria, somado os custos de transação, deve ser o mesmo em qualquer lugar do mundo. Utilizando a cotação do dólar como exemplo, se a moeda estiver cotada a R$ 4,00 em São Paulo e R$ 4,50 no Rio de Janeiro, seria possível comprar dólares em São Paulo e viajar para o Rio de Janeiro para vendê-los por R$ 4,50. O lucro fácil de R$ 0,50 por dólar seria suficiente para pagar o custo da viagem e deixar um bom ganho de capital para o investidor. Evidentemente que outros investidores serão atraídos pela oportunidade e a pressão de compra em São Paulo fará o preço subir. A pressão de venda dos dólares no Rio de Janeiro deve pressionar o preço para baixo. O movimento de ambos os lados força o mercado a encontrar um ponto de equilíbrio que anula a possibilidade de comprar barato em São Paulo e vender caro no Rio de Janeiro. Essa é a estratégia de arbitragem utilizada por alguns fundos que tentam se beneficiar da oportunidade breve oferecida por uma momentânea ineficiência do mercado.
Espero ter conseguido trocar em miúdos todos esses conceitos. Se você continuou não entendendo, a culpa não é sua, é minha. Mas conte sempre com seu Planejador Financeiro Pessoal. Complicou? Pergunte para ele. Esmiuce, cutuque. Afinal, a ideia é adquirir educação financeira, certo?