FILHO DE PEIXE, PEIXINHO É. PODIA SER DIFERENTE, MAS...

por:
Ricardo Schwalfemberg

19 de Julho de 2020

Muito de Life

Estamos vivendo tempos sombrios. Nos serviços de streaming, há vários filmes e séries com nomes sugestivos como Pandemia, Contágio, Quarentena. Acho que assisti a todos, sempre com aquele pensamento tipo “que imaginação tem Hollywood”. Mas, tirando aqueles em que o vírus torna populações em zumbis ou vampiros, todos eles foram superados pela vida real. E o cinema nunca se importou muito com as consequências econômicas dessas catástrofes. Então, a realidade se incumbiu de nos mostrar esse lado cruel: a inadimplência provocada pelo desemprego, pela falência de empresas, pelo fechamento de pequenos comércios, pelo afastamento ou morte de provedores em milhares de lares. 

Mas, se por um lado a pandemia tem escancarado esse problema, por outro pode dar a muitos a impressão de que todos os problemas surgiram com ela, e que antes do COVID-19, tudo era um mar de rosas. Não, não era. O endividamento crescente tem sido uma realidade no Brasil, que o coronavírus só fez agravar. E a inadimplência entre os jovens tem sido ainda mais preocupante, porque joga luz sobre um problema crônico no Brasil: a falta de educação financeira. Crianças alijadas das discussões sobre dinheiro se tornam jovens deseducados para o consumo, e provavelmente carregarão essa chaga para a vida adulta. Não há destino pior para os filhos do que repetir os erros dos pais.

Se o fechamento das lojas de rua e dos Shopping Centers reprimiu um pouco o consumismo, o comércio online bombou nos últimos meses. E, tirando os notebooks para quem teve de aderir às pressas ao Home Office, o que mais se vendeu foram artigos “não exatamente” de primeira necessidade.

Outra “moda” preocupante entre os jovens tem sido apelar para o crédito pessoal. Pequenas financeiras se tornaram potências corporativas, patrocinando grandes clubes do futebol brasileiro e programas no horário nobre na TV, a custa da oferta de dinheiro fácil. E já que falei dos filmes de Hollywood no começo da conversa, dá para dizer que os agiotas e gangsters dessas produções ficariam envergonhados com os juros extorsivos cobrados por essas verdadeiras máquinas de fabricar endividados. Pelo menos eles não quebram pernas e dedos dos inadimplentes como na ficção. Mas começar a vida adulta devendo é um convite para perpetuar essa situação. Como em um moto contínuo de pai para filho, o hábito de poupar é muito pouco valorizado por aqui. Não que eu esteja execrando o consumo, ele é necessário para que a economia movimente suas engrenagens. Sem consumo, não há produção nem empregos. Mas a diferença entre consumo e consumismo é enorme.

Sei que muitos fatores podem levar um consumidor à inadimplência. Desemprego, saúde, imprevistos são fatores externos que se impõem à nossa vontade. Mas uma vida mais planejada poderia evitar grande parte dos caminhos que levam ao endividamento. Comprar parcelado é uma opção válida, mas decidir com base na prestação de cabe no bolso, sem uma análise do preço dessa conveniência é um convite ao buraco no orçamento. Achar que dentro de cada cartão de crédito existe uma maquininha que fabrica o dinheiro que pagará as compras feitas com ele é o caminho para o estouro do crédito rotativo. E os convites das “agiotas com alvará” de “dinheiro fácil, na hora, mesmo negativado” leva o gado feliz para o matadouro. É fácil oferecer dinheiro fácil quando se cobra juros exorbitantes de quem paga para compensar o calote de quem se afunda em dívidas. Só quem perde é quem entra nessa roubada. Desde moleque, ouço que agiotagem é crime. Mas desde moleque, também ouço que no Brasil, tem lei que pega, e lei que não pega.

Até que o jovem possa chegar à idade em que possa se tornar endividado, ele provavelmente terá passado por várias etapas da educação formal e familiar. Provavelmente, terá sido apresentado às noções sobre a preservação do meio ambiente, os riscos das drogas e do álcool. Muitos deles terão sido apresentados aos conceitos de ética, cidadania, responsabilidade ambiental, política (no sentido mais amplo da palavra), tolerância à diversidade. Mas muito poucos serão apresentados às noções sobre poupança e consumo consciente e sustentável. E consciência e sustentabilidade não se referem apenas à conservação do meio-ambiente, mas também à proteção dos bolsos e carteiras.

Não podemos cair na ingenuidade de acreditar que essa educação financeira, ou mesmo o controle sobre os abusos de quem enriquece com o endividamento em massa da população venham através de ações do poder público. Se não conseguem resolver a superlotação dos hospitais públicos, a falta de insumos médicos básicos como gaze e álcool nas unidades de saúde, ou a ineficiência do sistema de transporte público, não será essa a prioridade dos governos. É tarefa dos pais trabalhar pela educação de consumo dos filhos.

Mas novamente nos tornamos ingênuos ao negar que, se falta essa educação aos pais, dificilmente eles serão capazes de transmitir algo eficaz nesse sentido aos jovens. Eles também sofrem de ignorância financeira, que se torna um mal hereditário. Da mesma forma que pais obesos têm maior propensão a criar filhos obesos, pais endividados podem gerar filhos inadimplentes, seja por herança, seja por repetição de comportamentos. E perder a capacidade de crédito significa criar gerações de párias, impedidos de acessar bens de consumo imprescindíveis. Inadimplentes tem inúmeras portas fechadas, do comércio ao mercado de trabalho. As poucas portas abertas serão aquelas do “dinheiro fácil, na hora, mesmo negativado”. E eu espero que você não escolha passar por essas portas. Então, faça as contas. Se você é pai, busque se reeducar financeiramente. Se não por você, pelo menos pelas gerações que dependem de você. Afinal, educar seu filho agora custará muito menos do que reeducar esse adulto lá na frente.

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